Certa vez eu sonhei.
Sonhei que estava em um carro.
Pelo menos achava que era um.
Me sentia num carro.
Nada via. Só conseguia ouvir.
Alguém apagou a luz?
Sonho estranho, confuso.
Deve ser porque eu estou confuso.
Será?
Estava a 50 km/h.
Gostava do vento que beijava meu rosto.
Ouvi risadas.
Decidi olhar para trás.
Sorri quando vi que não estava sozinho.
Acelerei. Estava a 60 km/h.
Espero que tenha GPS, nada vejo.
Alguém ligou o rádio.
Acelerei. Estava a 70 km/h.
Me senti triste, fraco.
Olhei no retrovisor.
Alguém desceu do carro.
Acelerei. Estava a 90 km/h.As coisas começaram a ganhar forma.
O rádio foi desligado.
Ouvi meu coração batendo, pulsando forte.
Acelerei. Estava a 100 km/h.Cada vez mais a luz ia se acendendo.
Acho que passei por uma blitz.
Olhei no retrovisor.
Ela dormia.
Passei por três sinais vermelhos.
Acelerei. Estava a 110 km/h.
Já podia ver o brilho do Sol.
Ou aquilo lá na frente era um farol?
Acelerei. Estava a 120 km/h.
Ela acordou.
Vi seus movimentos pelo retrovisor.
Ela sussurrou alguma coisa como "Eu te amo"
E se foi.
Acelerei. Estava a 130 km/h.
Senti a lágrima escorrendo.
As figuras começavam a se distorcer.
Queria parar.
Poderia bater. Não ligava mais.
Larguei o volante.
Acelerei. Estava a 140 km/h.
Senti uma mão no meu ombro.
Decidi ver quem era.
Ele voltou. Veio me ver, me consolar.
Peguei no volante.
Acelerei. Estava a 150 km/h.
Sentia falta dela.
De repente, o carro estava cheio.
Haviam mais de 10 pessoas ali.
Todas sorriam.
Porque eu não conseguia fazer o mesmo?
Acelerei. Estava a 160 km/h.
Consegui sorrir.
A paisagem estava ficando nítida, mas embaçada pela velocidade.
Era bonito ali. Gostava da paz.
Acelerei. Estava a 170 km/h.
Alguém ligou o rádio de novo.
Gostei da música.
Mas preferia o barulho das árvores, as risadas.
Alguém me beijou na bochecha.
Gostei de sentir aquele carinho.
Acelerei. Já estava a 190 km/h.
Estava com saudades da minha vida.
Me sentia cansado.
Já não reparava em nada.
Meus pensamentos voavam.
Acelerei. Cheguei aos 200 km/h.
Já não me sentia feliz, muito menos triste.
Tinha mais gente no carro.
Acabei de ver uma curva, à frente.
O volante não responde.
Tentei frear.
Cortaram o cabo de freio.
Bati.
Senti o gosto do sangue. Gostei.
Olhei pra ver os outros.
Estavam todos caídos em posições estranhas, ensanguentados.
Já não podia ver.
Meus olhos se fecharam.
Ouvi barulhos.
Uma sirene, talvez.
Era a ambulância? Ou o bombeiro?
Acordei.
Estava assustado, apavorado.
Desliguei o despertador.
Mais um dia começara.
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